O poder da infância é a nossa rebeldia
É sempre divertido escrever textos que não são exatamente sobre mim, mas que são impossíveis de não serem pelo menos um pouquinho pessoais. Fico com aquela sensação esquisita de contar uma história falando sobre esporte, um filme, uma música, mas acabo incluindo minhas pessoalidades nesse balaio, então eu só consigo me sentir arrogante demais. Até porque ninguém quer saber exatamente do que vivo ou vivi, né? Isso não é um diário, mas no fim das contas, no que escrevo manda eu.
Percebe que tentei forçar uma rebeldiazinha no fim do parágrafo? Foi de propósito, olha o título do texto — prometo tentar ser menos clichê na próxima. Apesar da anedota forçada, o sentido dessa bobeira é te dizer como faz sentido pra mim falar o que penso, da maneira que quero e livre de qualquer julgamento alheio. Não só no que escrevo manda eu, no que canto, pinto, desenho e me visto também manda eu, e você no seu.

Com quantos anos você escolheu seu primeiro corte de cabelo? Em que momento, o cabelo que você tinha desde que tem memória da sua primeira birra, começou a te incomodar? Já foram quatro perguntas em três parágrafos de texto, então vou te poupar de mais uma. O que quero dizer é que o cabelo é identidade. Nossa rebeldia representa nossa autonomia de alguma autoridade, e para ter identidade, tem que ter autonomia.
E quando falo de cabelo como maneira de expressão, de identidade, gosto de falar de Bābā Yoshino, no português ‘Barbearia de Yoshino’. Nesse filme, um menino de Tóquio chega num interior japonês de topete e cabelo descolorido, e descobre que todos os outros meninos da cidade tem o mesmo cabelo de tigela e são obrigados a fazer o corte no mesmo lugar, obedecendo à uma tradição da cidade. Num primeiro momento, o novato é estranhado por todo mundo, e depois é praticamente ostracizado por ter um corte diferente.
Ele não abre mão de seu corte e contagia os seus novos amigos a fazerem seus próprios. Depois de uma tentativa frustrada de cortar o cabelo numa cidade vizinha — eles não tinham dinheiro — , os meninos invadem a barbearia da mãe de um deles, justamente a única barbearia local, e fazem o que querem a cabeleira, do jeito que querem, no auge do seus espíritos livres e da sua expressão.

Se eu não mando no meu próprio cabelo, eu vou mandar em quê? Desculpa por voltar com as perguntas, mas essa foi pra mim mesmo, não precisa responder. Ser criança é isso aí, é o nosso ‘eu’ puro, o nosso radical no sentido pleno de raíz mesmo. A gente amadurece quando percebe a responsabilidade que tá ao nosso alcance, porque quando entendemos que basta uma tesoura pra ser gentil consigo mesmo, também percebemos que não precisa de tanto assim pra ser gentil com o outro. Se nos amamos, nos sentimos nós mesmos com o que mostramos pra si mesmo e para o mundo, somos rebeldes o suficiente para ter o poder de amar e ser amado. Então se no meu texto mando eu, é porque tive amor próprio o suficiente para falar do que sinto.
A gente só se torna adulto quando passa por isso, quando aprendemos a sermos nós mesmos. A rebeldia pode ser coisa de criança, mas só se cresce quando se aprende a ser pelo menos um pouquinho rebelde.
